"Privilégio"

"Privilégio"

Não quero um mundo mais justo,
não quero um mundo menos cruel.

Quero apenas uma coisa:
que os ricos abram mão
de exercer o único privilégio que não têm:
o privilégio de ser medíocre
e educar herdeiros medíocres.

Exclusivo dos famintos, e olha lá
seria um privilégio apenas
dos que dispõem de muito boa desculpa -
vetado à todos os demais.

coçeira é fome
bocejo é fome
fome de intangível
-por isso a ciência não explica

"Tu pode, meu querido!"

"Tu pode, meu querido!"

Vc nasce e vai escutando:
"tu não pode, tu não pode, tu não pode"
e assim os adultos
são esterilizados da cabeça
de tanto "tu não podes".

A direita populista
hackeia as massas por essa brecha:
"TU PODE!"
"TU PODE MAIS"
Nunca tirou diploma?
tu pode mais que quem tirou!
Nunca se interessou pelo assunto?
tu pode mais que quem tem bagagem!
sua opinião vale mais!
sua opinião não tem limites!

Os humilhados serão exaltados,
e como a classe média só olha pra cima:
"Opa, estou sempre muito humilhado pro meu gosto,
me dá licença que eu tou me exaltando!"

Nos piores momentos, eu viro bolsomínion.

Quando a crueldade é tanta,
que por alguns minutos que seja
até os bolsomínions estejam sensibilizados,
é aí que eu tenho sangue frio,
e começo a lembrar das frases do messias e seus súditos.
"ahhh saindo da academia? já imagino os trajes
que ela devia estar já naquela hora da manhã, pediu"
Quem sabe por 15 minutos não cai a ficha
do inconformismo que sentimos diuturnamente
desde que essa história começou,
enquanto eles faziam festa pra coisa grave.

Ei, bolsomínion, nestes seus 15 minutos de humanidade
deixa eu aproveitar  te mandar ir pra cuba, antes que eu me esqueça.

"Mundo sustentável"

"Mundo sustentável"

Todo mundo tem 10 braços e 10 pernas.
Não é tanta vantagem,
na verdade não é nada vantagem:
problemas de coluna, de circulação,
de auto-estima, psicológicos...
mas desse privilégio não abrimos mão -
já nos acostumamos a viver assim.

Nós temos todos 10 braços e 10 pernas cada.
Para isso, 5 crianças são feitas cotôco,
outras 15 não sobrevivem ao procedimento,
mas desse privilégio não abrimos mão -
já nos afeiçoamos a viver assim.

Num mundo sustentável,
teríamos menos privilégios e liberdades?
Talvez mais, talvez menos,
teríamos privilégios e liberades outras
mas desses aqui,
desses privilégios e liberdades aqui
teríamos que nos desapegar.

"O ritual do cortejo na ideologia binária"

"O ritual do cortejo na ideologia binária"

o um e o outro
o um,
tem sempre um eight apagado nos lábios.
Ela prefere marlboro, lógico
mas se um dia estiver realmente na sêca,
ela acende o eight e pronto
- muito provavelmente vai se arrepender,
ficar com um gosto ruim na boca,
se queixar que o mundo está fútil
mas de qualquer forma é raro ela chegar a esse ponto,
pois o fato de ter sempre um eight nos lábios,
já dá uma tranquildade,
o mario covas parou de fumar assim.

já o outro,
vai viver na certeza plena de que em uma vida inteira
jamais vai lhe cair um cigarro do céu no colo

pode andar 8km pra obter um cigarro avulso
e vai ter que voltar 8 km sem sucesso

pode investir 40 horas no tinder
sem sucesso

 de repente lhe passa um cavalo arriado
e ele distraí, ou se atrapalha, não aproveita a oportunidade
e aquela oportunidade se esvai para sempre, nunca mais
ele aprende que da pior forma
que um raio não cai 2 vezes no mesmo lugar
por isso que quando passa uma média na rua
ele se sente compelido a provocá-la como puder,
com a primeira abordagem que lhe vier na cabeça,
as vezes o pinto tá até mole.

"Crianças"

"Crianças"

Crianças? não sei se gosto,
mas são o único importante, né?
o resto, é exugar gelo.

Toda polida
fuçando no banheiro alheio
pois queria
cuspir pasta
mas não tinha pasta em curso.

Será que essa gente vai estranhar
se eu abrir uma caixa fechada?

descobri que com certeza
só que não neste caso:
a caixinha que eu peguei já tava aberta
e o tubo, lá dentro, também tava no toco
gente maníaca!
que torna a guardar
de volta na caixa
após cada uso
a pasta em curso.
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Não existem símbolos puntuais, existem espectros.
Pela aquisição das linguagens, o o preço que o humano sangra
é a implicita discretização dos símbolos
a qual idealmente almejamos transcender